Desejo não é pecado

“Amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado.” (*Robert Frost)

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Musa doce



Quando eu desejei você, nós ainda nem tínhamos nascido. Eu devia ser ainda um átomo de hidrogênio fervendo na cauda de um cometa e você molécula sapeca pulando na superfície da lua.

Até que um dia você cochilava em um lindo jardim e quando desperta, descobre que estava sendo desenhada por mim. Você ficou toda encabulada, mas mesmo assim te convidei pro meu ateliê pra ser minha modelo, apenas minha modelo. E enquanto te desenhava, te descrevia, te decompunha, te decifrava e te traduzia, descobri em ti um ponto que brilhava como um diamante bem no meio do teu corpo.

Naquele breve momento percebi que quem estava diante de mim não era apenas uma mulher que encontrei por acaso, nem mesmo uma simples modelo que escolhi por causa da beleza, mas a musa da minha obra artística da vida toda. E quis te ver de todos os ângulos e todas as formas possíveis, até encontrar a visão perfeita de você , um pote de mel sendo derramado sob sua cabeça.

O pudor afrodisíaco



O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes
(Nelson Rodrigues)

Reparo nos detalhes, algo que pode até mesmo parecer bobagem. Na fivela do cinto e em como ele centralizado na barriga divide seu corpo em norte, sul, leste e oeste. Seus dentes brilham para mim como se fosse o alfabeto que uso para escrever essas palavras. Próximo ao meio-dia sou um homem de dupla fome. Não percebe, mas por mais pudor que tenha, quanto mais tenta se resguardar, sua presença é mais intensamente intima pra mim. Porque ouço até o bater de seus cílios enquanto pisca os olhos.
Quanto mais inocente tenta parecer, mais tentadora fica. Ela é inversamente proporcional a todas outras mulheres que estão por ai, todas desesperadamente querendo mostrar, expor e arreganhar.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

A palavra como fotografia


"À força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivo
(Dom Quixote – Miguel de Cervantes )
 
Escrever é mais ou menos como voar, porque a voltagem do que me envolve neste ato é a mesma que abarca as asas do passarinho. Escrevo como quem quer se reconhecer nas palavras que registra, essa é a minha maneira particular de enfrentar o mundo. Luto dia a dia para resistir ao espírito de meu tempo que tem como sua espada o imediatismo. Estou cercado por pessoas que querem tudo na hora, que não sabem o que é paciência e que não tem a mínima idéia do que é respeito ao próximo. E isso é muito angustiante, sensação essa que só é atenuada pela densidade do que sinto como fotografo, porque considero escrever crônicas como se estivesse batendo fotografias minhas ou do que está acontecendo a minha volta , e além.
Através das minhas crônicas eu fotografo, mas com a consciência que também faço parte dessas fotografias deste mundo caduco, que mais se parece um campo de concentração cuja tortura é o gozo permanente ou a busca desenfreada por ele através do consumo.Somos todos prisioneiros do ter.
Os dentes da minha memória mastigam antigas lembranças que por intuição sinto que são mais  ancestrais do que as minhas reminiscências dessa existência. O morto morre vivo, a paixão quando fenece ou se torna amor ou lembrança. Conjuro as forças da literatura para que me torne diferente, não por orgulho ou vaidade, mas para que seja ungido pela luz da minha espiritualidade , e assim permanecer existindo indefinidamente cumprindo meu papel.