Desejo não é pecado

“Amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado.” (*Robert Frost)

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Inalcansável brilho

Vivemos em tempos de cobiça, não por causa de bens, mas por sermos bons. Não é o carro, a casa, muitos menos a beleza ou qualquer riqueza. O que desperta a mais profunda inveja são virtudes e talentos. E ela nunca ficou assim tão camuflada. Oculta nos aplausos, clandestina no apoio e intrusa na amizade. Nada é mais insuportável para o invejoso do que o inalcançável brilho de uma vocação.
Por isso sua inveja fica lá bem disfarçada de elogio fingindo que é admiração.

#inveja 

sábado, 6 de agosto de 2016

Nós, as pessoas complexas

Nós, as pessoas complexas, não somos apenas divididos ao meio, como se uma metade nossa fosse o acelerador e a outra o freio, cada pedaço da gente pode representar o contrário ou um lado diferente. Não nos contentamos só com a superfície, toda dúvida nos demanda um mergulho profundo e uma análise intensa de todo conteúdo. Nós somos triângulos que vivem num mudo redondo, por isso aqui nunca nos encaixamos, pulsamos em arritmia, porque fazemos parte da resistência, mas não da rebeldia.  

Nós, as pessoas complexas, combatemos o obsoleto e o antiquado, porque somos recicláveis, acreditamos que as pessoas são o que dizem, o que pensam e o que sentem. E sua riqueza está nesse acervo e não na diferença entre mil e cem, porque não somos números e ninguém é só o que tem. Embora sejamos complexos, não somos pessoas complicadas, porque enquanto pessoas complexas debatem pontos de vista, as pessoas complicadas (chatas) discordam só pelo prazer de criar problema ou polêmica. Buscamos o sentido da vida, estudamos nossos medos, e com a nossa humildade sabotamos a ignorância, minamos a estupidez e destruímos a arrogância.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Só para loucos

Louco? É muito pouco, é maluco, doido, pirado mesmo. Mas toda essa insanidade considerada loucura para o mundo “normal” na verdade é a cura e não a doença. O questionamento é o antidoto contra o veneno da alienação.
Não existe liberdade plena, porém com um par de asas pequenas e tortas dá para levitar um pouco acima do padrão, para sobrevoar o senso comum.
Nadar contra a maré é mais difícil do que a favor da correnteza. Mas quem quer se opor ao modo de viver e de pensar da maioria das pessoas? Só o louco não tem essa preguiça. Onde os normais enxergam sensatez, os malucos veem falta de coragem.
Só quem é pirado não entra nesse jogo de cartas marcadas e não rotula e nem permite que lhe colem na testa um atestado de pessoa comum. Aquele diploma conferido aos normais que são os competidores dessa luta constante por espaço e visibilidade, um diminuindo o outro para ocupar o seu lugar. Pisando na cabeça do colega e se apoiando nos ombros de um amigo só para ficar mais alto. Falando pelas costas, fofocando nas rodas e pela frente sorrindo amarelo e se fingindo de aliado quando na verdade é seu pior inimigo.

Só um doido para ser sincero, afinal não existe loucura maior no mundo de hoje do que dizer a verdade.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Despida, desnuda, pelada

Nua não é pelada
enquanto a boca
fica calada
deixa que o corpo fala

Carne crua
pele assada
se o corpo for branco
deixo ele moreno

Essa sua falta de juízo
é vertigem do pecado
tontura de veneno

Esse calor
que lhe sobe pelos meios
te molham o instinto
escorre pelos seios

Despida na entrada
não é desnuda na entranha
mulher em parcelas

minha conhecida estranha

Há gosto

É dessa coisa desconhecida
que tenho tido muito na vida
não me sangra
mas deixa ferida

O vento me trouxe mentiras
de um país sem sofrimento
como se lá todas pessoas fossem felizes
e aqui só padecêssemos de flagelos
desgraças e lamento

Minhas palavras
são só o que tenho
feitas de pedras, águas e pensamento
movidas a base de lembrança
e de esquecimento

Em seus frutos há gosto
de deserto, mar e perdão
se amargas ou doces são
já não me importo mais

Porque é nelas
que mato a sede da boca
e que alimento

meu coração

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Auge da nossa evolução

O olhar da menina índia não precisa de palavras para ser compreendido. A filha das selvas tem em sua natureza muito mais civilização do que os que se dizem urbanos. As verdadeiras feras estão a solta é nas cidades e não mais nas florestas. O perigo está nas esquinas e não nos igarapés e remansos das restingas e igapós. O que nos mata não são as ferozes jaguarunas ou as suçuaranas, sãos automóveis. Aliás, o que nos intoxica mais, a fumaça que sai dos escapamentos dos carros ou a do cachimbo do pajé?
Hoje quem arma a arapuca não é o índio. E a flecha envenenada é menos mortal que a bala perdida. E a Oca e a Taba são mais seguras que a casa, o condomínio ou o apartamento. A nossa sociedade dita evoluída e tecnológica constrói foguetes que vão à Lua e hidroelétricas que produzem energia. E os índios só tem flechas, bodoques, lanças ou zarabatanas e nem sequer fundem metais. Mas apesar de todo esse progresso, quem é mesmo que vive como animais?

Se pensarmos que "evolução" é chegar o mais perto possível de uma sociedade que tem por objetivo nos tornar todos iguais, então nós somos um fracasso como civilização, com milhões de pessoas vivendo na miséria. E os ianomâmis, Ticunas, Caingangues, Xavante e Pataxós são o auge da nossa evolução.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

(Nós, os frutos que caíram longe da árvore)

Nós, os frutos que caíram longe da árvore, passamos a vida toda achando que nascemos com defeitos de fábrica, porque nunca nos encaixamos em padrão nenhum, porque jamais nos sentimos normais ou iguais a todo mundo. Porque não somos semelhantes àqueles tolos que só identificam ou reconhecem seu valor ao se compararem aos outros. Temos plena consciência da nossa importância e não precisamos desses espelhos rachados para percebê-las.

Nós, os frutos que caíram longe da árvore, somos os primorosos imperfeitos, travamos uma batalha intensa para que o nosso belo conteúdo também se expresse de maneira simples e clara em nossas atitudes, gestos e até mesmo aparência.

Nós, os frutos que caíram longe da árvore, somos vítimas de uma ardilosa inveja, aquela que é instrumento daqueles que fingem não se importar conosco, que usam de um infantil escárnio, mas que na verdade estão apenas dissimulando seu interesse pela nossa forma diferenciada de ser. Ficam desorientados conosco porque não entramos em seu jogo de rivalidades ou competições. Então tentam nos ridicularizar, mas não percebem que o palhaço e o bobo da corte são eles e quem sempre está rindo por último somos nós.

Nós, os frutos que caíram longe da árvore, somos aqueles que destoam da maioria, ou porque são magros ou gordos demais, ou porque são altos ou baixos demais, ou porque nossa pele é escura ou branca demais, o porque tem alguma deficiência, ou porque se vestem diferente, ou porque pensam diferente ou porque fizeram escolhas diferentes da multidão. Quando nos reparam, nos apontam o dedo, mas secretamente nos observam com curiosidade e interesse.

Nós, os frutos que caíram longe da árvore, porque não vivemos na sombra, somos mais doces do que aqueles que caíram perto dos ramos onde foram gerados, e nosso sabor é resultado do amadurecimento lento e constante sob jugo do sol. Mas essa árvore de quem somos filhos e dela caímos longe, nunca saberá o nosso gosto, assim como o rio não bebe suas próprias águas, ou as nuvens não chovem sobre si mesmas.

Nós, os frutos que caíram longe da árvore, temos como fonte de nossa força, entusiasmo e motivação justamente na diferença que nos separa do joio do resto do mundo. E nossa virtude está em fazer desse desafio instrumento da nossa evolução.

Nós, os frutos que caíram longe da árvore, possuímos uma casca grossa, mas uma polpa macia e nossas sementes estão sempre prontas para germinar em solo fértil, porque o universo anseia por filhos que como nós, tenham asas nos olhos e raízes no coração.