Desejo não é pecado

“Amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado.” (*Robert Frost)

domingo, 1 de maio de 2011

Jantarzinho japonês


Eu a conheci num daqueles sebos, um que vou sempre e fica lá no centro da cidade, no meio de todos aqueles livros antigos e eu nem a percebi, ela também não me percebeu de primeira, eu estava procurando alguma coisa de Jean Baudrillard, ela depois me contou que queria encontrar alguma coisa do Quintana. E esse foi nosso elo de ligação, o poeta gaucho como ela, o poeta de versos como : “Mas o que quer dizer este poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora.E o que quer dizer uma nuvem? - respondi triunfante.Uma nuvem - disse ela - umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo.” Quando vi o livro em suas mãos sorri, ela sorriu de volta.Extrovertida que só ela, me perguntou já pertinho de mim: “Tu gostas do Quintana?” E eu nem tão extrovertido assim respondi: “Adoro, ele é um dos meus poetas favoritos!”.E daí tudo começou assim, os livros nos uniram.Acabei até me esquecendo de Baudrillard, começamos um papo cabeça na Praça do Patriarca que durou até a Avenida Paulista, subimos por todas ruas falando sobre tanta coisa que agora nem sei contar.  
Todo mundo tem uma história, e a dessa moça era bem interessante, “elétrica”, ela não parava de falar, tanto que em uma hora eu já sabia quase tudo sobre ela, sobre os caras que ela tinha namorado, sobre os lugares que ela tinha morado, enfim tudo que conta a nossa história, as pessoas que amamos e os lugares onde moramos.  São Paulo é assim, um lugar em que apesar das multidões e possibilidades as pessoas seguem sozinhas e melancólicas, sempre procurando alguma coisa ou alguém, mas elas nem tem muita consciência disso, não há tempo pro tempo em São Paulo. Convidei ela pra jantar.Apesar de saber que ela é gaúcha , acabei usando uma cantada tipicamente paulistana fugindo do clichê churrasco, já que a “prenda” é dos  pampas.E não há cantada mais paulistana do que convidar uma mulher para um “jantarzinho japonês” , é cool , interessante, na moda, esse tipo de coisa, sempre dá certo, acho que é porque elas acham interessante alguém que gosta de comida japonesa, algo haver com grau de sofisticação.Eu que não gosto de peixe cru e de quase nenhuma dessas iguarias orientais, queria impressionar a gaúcha e comi todo aquele combinado que vem num barco, claro que misturando no Shoyu e com um pouco de raiz forte pra descer melhor.E que com certeza, devido ao meu estomago não ser afeito, seria digerido no apêndice que no meu corpo tem essa função.
E fui me envolvendo com as falas dela e elas com as minhas, que mesmo poucas, acho que a fascinaram porque logo percebi que ela estava afim.O legal foi ter percebido isso logo, e ela também ter sacado da minha intenção bem no inicio.Fomos levando tudo numa boa, mas os dois sabendo qual seria nosso destino depois do “japonês”.Ela levantou foi no banheiro.E eu fiquei lá pensando no que eu falaria pra ela para irmos para algum lugar mais calmo(outro puta clichê pra levar mulher pra cama), mas logo que ela voltou já chegou chegando e me deu um beijo.Confesso que por mais otimistas que estivesse não esperava tanto afã por parte da moça, mas pra mim que adoro coisas novas e diferentes foi extremamente prazeroso sentir a mulher no ataque e tomando a iniciativa
- Vamos pra um lugar mais reservado? – Na mosca! Não foi eu, mas ela a usar o clichê mais batido de Sampa, é provavelmente do mundo todo, pra ser levada pra cama. Pedi a conta, paguei e entramos no meu carro. Para manter a “temperatura”, a moça quase nem falou, usou todos aqueles expedientes e truques que você está pensando, nessas horas a boca faz muito mais do que falar.
Na Marginal Pinheiros procuramos por um motelzinho como se estivéssemos diante dum cardápio tamanha a variedade deles, terminamos escolhendo um temático, oriental para continuar combinando com nossa noite, que aliás que noite!  Eu ainda não amava a moça, não tinha dado tempo, mas a sublimação da atração foi maravilhosa, é como diria Woody Allen: O sexo sem amor é uma experiência vazia. Mas como experiência vazia é uma das melhores.
Acordei depois dela, e como havia previsto, com uma baita dor de barriga por causa da comida. Ela já tinha se levantado, chamei por ela, em vão, a gaúcha já tinha partido com um vento minuano da manhã. Mas ao chegar ao banheiro para aliviar meu apêndice, para minha surpresa lá estava escrito de batom no espelho do banheiro um poema do Quintana:

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amado,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..

Nenhum comentário: