Desejo não é pecado

“Amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado.” (*Robert Frost)

domingo, 8 de maio de 2011

A pintora


Passear pelo calçadão da praia de Copacabana era o que ela mais gostava de
fazer, principalmente nessas noites de outono, quando a brisa é mais
fresca. Chegava antes do sol se pôr para ver no céu a variedade de cores
que essa hora exibe. Só mesmo sendo uma pintora para perceber que o céu não é só azul com nuvens brancas. Ela conseguia distinguir os tons de dourado,rosa, cinza, vermelho, laranja e Hortência num pôr de sol.
Após o passeio Eleonora sentou-se numa das mesas em um dos quiosque da orla para tomar uma água de coco e ler um pouco. O lugar foi pouco a pouco sendo tomado por pessoas, que como ela, vinham para aproveitar o início da noite. Ela freqüentava aquele lugar desde mocinha, foi lá que conheceu o primeiro marido e o segundo também. Até seu filho ás vezes vai lá com os amigos e namorada e eles tomam um chopinho juntos bebendo de bem com a vida e jogando conversa fora.
Quando não havia mais lugar disponível e ela encontrava-se distraída na sua leitura, se divertindo com uma crônica do Ruy de Castro, um rapaz surgiu interrompendo, mas pedindo “com licença” antes, perguntou se poderia pegar uma das cadeiras que estava sobrando em sua mesa. Eleonora respondeu: “claro”. O rapaz levantou a cadeira e ficou olhando ao redor procurando onde poderia colocá-la. Eleonora olhou também e vendo que não havia lugar, convidou-o a sentar na mesma mesa que ela. Embora vivesse numa cidade perigosa ela ainda acreditava na sua intuição que lhe dizia que ele parecia ser uma boa pessoa. E além do mais ela conhecia todos os garçons e o dono do estabelecimento que lhe acudiriam ou lhe dariam alguma dica que o moço poderia ser algum malando. O rapaz então aceitou a gentileza e agradeceu sorrindo e ela percebeu que ele sorria de uma maneira singular. Seus olhos clínicos de pintora detectaram que sua boca sorria junto com seus olhos. Enquanto o rapaz tomava sua cerveja, Eleonora fingia ler. Das letras do livro seu olhar foi para as mãos do rapaz, que ela considerou serem perfeitas para uma pintura. As unhas limpas e cortadas, os dedos compridos, o pulso firme. Os músculos dos braços mostravam que ele não era um entusiasta por academia, mas tinham um bom contorno. Os ombros altivos, o pescoço forte. Ela ia passando os olhos no corpo do rapaz como quem passeia com o pincel em uma tela. O desenho do queixo, masculino. E, nesse devaneio, ela chegou nos lábios, que agora tinha um brilho molhado da cerveja. Nesse instante o sorriso se abriu de novo e ela olhou-o nos olhos que sorriam divertidos. Eleonora fora pega e sentiu-se encabulada, não queria que o rapaz pensasse que ela o estava paquerando, que era o termo que ela usava em sua época, ou “dando mole” como é o termo que se usa hoje.
Eleonora num primeiro momento estava com interesse profissional. Gostava de mapear o corpo dos homens para depois reproduzi-los em suas telas. E  em sua mente, ia construindo desculpas para a sua atitude. Mas o rapaz não sabia de nada disso e continuava olhando-a com aquele jeito maroto e curioso, aproveitou para lhe oferecer uma bebida. Ela pensou em recusar, mas pensou “por que não?” e aceitou beber com o rapaz alguns copos de cerveja. E papo vai, papo vem, eles foram se conhecendo. Ele contou que morava ali perto, tinha vindo do interior e trabalhava numa empresa de construção naval. Tinha se casado cedo, mas logo se separou.Não tinha filhos e não era fumante. Ela contou que dava aulas na universidade sobre arte e também era pintora.
E isso fascinou o rapaz, ele ficou curioso, fez mil perguntas. Ela empolgada, explicou tudo, deu detalhes, mas não percebeu que tinha bebido já muitos copos de cerveja e estava ficando tonta. Não costumava beber tanto.
- Já está na minha hora, estou quase bêbada, adorei conhecer você, és um rapaz muito simpático.
- Você é uma mulher encantadora, gostaria muito de conhecer seu ateliê se é que você me permite tal ousadia.
- Será um prazer te receber, acho que você vai gostar.
Ele se ofereceu para pagar a conta, mas ela recusou – Eu pago a conta desde que você aceite ser meu modelo. O rapaz fez uma cara de surpresa e ao mesmo tempo excitado, feliz pelo convite, parecia um menino
 -  Nossa que coisa incrível! E quando isso vai acontecer? Nunca me imaginei sendo modelo para uma pintora. Nossa, sensacional!
 - Pegue meu cartão, aqui tem meus telefones e meu endereço, se puder me ligue amanhã, marcamos no horário que nossas agendas permitirem, ok?
No dia seguinte os estranhos que foram ficando íntimos, encontraram-se de acordo com o combinado mediante contato telefônico, o atliê da pintora ficava em seu próprio apartamento, um amplo e espaçoso apê, porém acolhedor. A campainha tocou, era ele, tinha flores e um vinho nas mãos. Ela agradeceu e brincou com ele-  Vejo que meu modelo já entrou no clima mesmo antes de posar! - O rapaz sorriu encabulado, mas estava gostando do clima. Ela foi andando na frente e pediu que ele a seguisse. Entraram num cômodo onde logo se pode ver que se tratava de um ateliê.
O lugar estava quente e na penumbra ela acendeu um abajur, tirou de um armário um embrulho e o entregou. Depois apontou para uma porta e pediu que ele se trocasse e ficasse confortável. No banheiro o rapaz percebeu que o embrulho se tratava de um quimono de seda azul escuro com bordados em amarelo. Enquanto trocava de roupa ele indagava a si mesmo se deveria tirar toda a roupa ou se ficaria com algo por baixo. – Acho vou ficar só de cueca - pensou vestindo a roupa intima. Ao sair, encontrou a pintora também vestida num quimono, só que o dela era vermelho com lindos pássaros bordados nas costas. Distraída, ela escolhia tubos de tintas, pincéis, potes. Andava de um lado para o outro como quem procura algo. Dentre várias telas de tamanhos diversos, ela escolheu uma que colocou no cavalete. O rapaz se sentou num dos sofás e ficou observando a mulher ajeitar a tela, ajustar a luz da luminária, posicionar o cavalete, como se ele não estivesse ali. Quando ela percebeu que o rapaz já se encontrava no sofá, deu um sorriso. Pediu que ele se levantasse e forrou o sofá com uma colcha verde escuro. Por alguns instantes fitou a colcha e o rapaz, fez cara de desagrado, parecia não combinar. O rapaz que a essa altura já tinha virado modelo pra ela só observava. Ela trocou a colcha por uma cor de vinho bem escura e se sentiu satisfeita.
Sem falar nada saiu da sala e quando voltou trazia nas mãos uma garrafa de vinho e dois cálices que ofereceu ao rapaz. Por segundos ficaram se fitando, mas não falaram nada. Ele já tinha sacado como deveria se comportar e ficou calado. Ela foi até ele e delicadamente abriu seu quimono. Em outra ocasião ele se sentiria lisonjeado, mas naquela situação ele se sentiu encabulado. O perfume da pintora deixou-o ligeiramente entorpecido. Eleonora pediu que ele se recostasse no sofá, pegou suas mãos e olhou-as. Com as pontas dos dedos foi sentindo os músculos dos braços, do peito, do ombro. Depois olhou suas costas passando os dedos por sua coluna e por suas coxas.
Enquanto ficava imóvel, o rapaz pode observar a mulher que o pintava. Seu cabelo fora preso num coque com um pincel e alguns fios caiam pelo rosto e pelo pescoço. E quando ela tentava ajeitar o cabelo, seus dedos, sujos da barra de carvão, manchavam seu rosto. Ao se apoiar no banco, perto do cavalete, seu quimono abria e deixava a mostra suas pernas e coxas brancas. Seus ombros também ficavam desnudos em alguns movimentos e ele pode perceber a ponta de uma tatuagem, mas pela luz ele não conseguiu distinguir o que era.Seus seios pareciam médios e os bicos saltados se deixavam perceber pela seda fria do quimono.
Ela riscava a tela, bebia um gole de vinho, olhava para o modelo, dava um
passo atrás para olhar o desenho e depois voltava a riscar. O rapaz acompanhava seus movimentos se sentindo atraído por aquela mulher. Tentou então desviar o olhar e passou a analisar o atelier. Numa das paredes havia
uma estante repleta de livros de arte, na outra, prateleiras com latas e potes de tintas misturavam-se a potes com pincéis, alguns mergulhados em líquidos. No chão, apoiados em armários, ele podia ver vários quadros pintados, provavelmente por Eleonora. Uma grossa cortina cobria as janelas e no chão um carpete respingado de tintas de várias cores. Seu olhar rodeou o cômodo e terminou na mulher novamente. Ela estava parada olhando-o com a ponta do pincel nos lábios. E de uma maneira segura, pediu que ele tirasse "isso" e apontou para a única peça que o rapaz havia deixado no corpo. Ele olhou-a e com um só movimento tirou a cueca ficando inteiramente nu.
Ele estava muito excitado, mas ela não poderia representar isso na tela, não era seu estilo, porém pensou quem sabe depois de pintar, na vida real ela fosse à tela e ele o pintor, tocando ela no ventre com seu pincel duro, ela tivesse nascido para ser dele, e ele tivesse nascido para devorá-la, escavando sua pele e suspendendo o tempo até o momento final onde ela sentirá o mel escorrendo de sua fenda e ele jorrará leite de seu pincel.

Um comentário:

Tutti disse...

Estamos ótimos nisso!