Desejo não é pecado

“Amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado.” (*Robert Frost)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A casa de Maresias – Parte III


A arquitetura

O arquiteto veio de uma família abastada, nunca soube o que era dificuldade na vida. Dentro da família que havia constituído apesar de ser o grande provedor, tinha que se conformar de estar à sombra das duas filhas e da esposa. No fundo ele gostava de desfrutar do domínio que elas exercem sobre ele. Já a sua relação com seu próprio pai, Arquiteto também, era de admiração e de ódio. Admiração pela forma como seu pai havia construído a vida.Mais ou menos mesmo como um bom prédio,reforçada estrutura, alicerce forte, boas colunas e pé direito alto.Ainda na faculdade de Arquitetura, foi se erguendo, erguendo até que conseguiu construir uma empresa sólida.O ódio vinha da profunda humilhação que sofria quando seu pai dizia que ele não era um homem de verdade, era apenas uma imitação, um arremedo.Apesar de nunca ter dito, ele sabia que seu pai tinha certeza que o filho não tinha os mesmos princípios morais que os seus.Que não era um sujeito resignado como ele era.E que não tinha o mesmo caráter e disposição para ser firme diante das tentações da vida.Seu pai desde os tempos de faculdade o advertia sobre suas falhas, sobre sua maneira de lidar com a vida de maneira tão superficial.
Como se você não tivesse jamais cometido erros, sua vida não é perfeita como s prédios que projetou pai.Tiveram essa conversa na varanda da casa em Maresias uma vez.O pai ficou sem falar com alguns meses.Não gostou de ter ouvido o que o que o filho arquiteto sentia por dentro, encarou como um insulto, como uma ofensa e não um desabafo.A verdade é que a vida do pai do arquiteto e a sua se parecem em alguns detalhes, como se família fosse ao mesmo tempo uma herança maldita e abençoada.
A mãe do arquiteto foi sempre mãe do inicio ao fim. Uma mulher que hoje em dia parece pertencer não só a outro tempo, mas a outra dimensão.Nascida numa família também de mulheres, a mãe do arquiteto tinha outras duas irmãs.E dentre as três ela foi a única que se casou, as outras duas ficaram cuidando da mãe do pai até que eles morressem já velhinhos.Ela era de um tempo que mulheres não estudavam ou então se dedicavam a serem interessantes para que fossem desposadas por um homem que valesse a pena.Pois ela foi contrária e rebelde a tudo isso.
Estudou a contragosto dos pais, foi morar na casa de uma tia que a ajudou até conseguir passar para a universidade.Foi lá que conheceu o pai do arquiteto, amor a primeira vista, coisa de cinema mesmo.No pátio ele olhou para ela uma vez e depois não conseguia mais tirar seus olhos jovens dela.Ela por sua vez, de gênio forte, fingia não estar sendo observada, mas parecia gostar daquela corte visual que estava recebendo do distinto rapaz.
O pai do arquiteto não resistiu, e ainda na primeira semana das aulas estabeleceu contato com ela. Primeiro conversavam sempre, depois eram visto sempre juntos. E no próximo passo passaram a fazer parte do mesmo grupo de estudos.Numa tarde ele sem querer tocou nas mãos dela.A mãe do arquiteto sentiu algo estranho, uma sensação de medo e de prazer ao mesmo tempo.De noite antes de dormir e depois de fazer suas orações, teve a certeza que ele era o homem de sua vida.
Numa aula de desenho, o pai do arquiteto fez um esboço, uma espécie de caricatura com as formas, com a face sorrindo, e com os cabelos esvoaçantes de uma mulher.Tirou nota máxima pela obra.E no dia seguinte o entregou a mãe do arquiteto com uma dedicatória simples: Querida , obrigado pela inspiração.A mãe do arquiteto ficou vermelha como uma pimenta.E ele sorrindo de longe notou que aquela era a mulher de sua vida.Esse desenho está até hoje na sala de jantar da casa em Maresias.
O primeiro beijo deles foi num aniversário de um amigo em comum.O pai do arquiteto pediu a honra de uma dança.E foi naquela dança, de mãos coladas e de olhos fixos um no outro que a magia entre eles tomou forma.Ao final da música, o bolero “Tú Me Acostumbraste”, os dois de olhos fechados uniram seus lábios pela primeira vez.
O namoro começou já no dia seguinte, ele queria falar com os pais dela, mas ela mesmo nem falava com eles já tinha muito tempo.Falou com a tia mesmo dela que consentiu com muito bom gosto.Ficou orgulhosa da sobrinha e dizendo ser o moço um bom partido, um moreno educado e cheiroso, segundo suas palavras já amareladas pelo tempo.Mas mesmo com a simpatia da tia, o pai do arquiteto nãos se deu por satisfeito e promoveu a reconciliação da filha com os pais.Neste mesmo dia pediu permissão para namorá-la.Os pais dela no inicio não concordaram.Foram precisas muitas visita e paciência para que então aos poucos ele fosse aceito por eles.
Porém, ele e a mãe do arquiteto tiveram uma noite de amor antes do casamento, foi por causa do vinho de um jantar de confraternização ainda no segundo ano da universidade. E foi naquela noite que um filho foi concebido. Grávida a mãe do arquiteto teve que abandonar a universidade.Foi uma pequena morte pra ela no começo, mais depois novamente uma alegria poder ser mãe pela primeira vez.
Casaram-se com ela grávida de três meses, a barriga nem aparecia, e felizes contraíram o matrimônio numa velha Igreja na Avenida Ibirapuera.Mas antes que a gravidez terminasse a mãe do arquiteto teve complicações e acabou perdendo o bebê antes que ele nascesse.Arrasados eles passaram maus bocados juntos chorando todas as noites na primeira casa em que viveram na Freguesia do Ó.A dor só aumentou ainda mais a união entre os dois.
Só depois que seu marido se formou e quando ele já tinha uma empresa constituída é que ela engravidou do Arquiteto. Passou a gravidez toda indo todos os dias a igreja pedindo proteção para seu bebê e que ele nascesse saudável.
E assim nasceu o Arquiteto.

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