Desejo não é pecado

“Amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado.” (*Robert Frost)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A casa de Maresias – Parte X


A psicóloga sobre o arquiteto

Ficamos lá olhando na mesma direção do mar em silêncio muito tempo. Naquele dia o mar estava muito calmo, a noite caia e já dava para ouvir um grilo fazendo o seu cri-cri.Não queríamos voltar para nossa casa.
O meu marido, o arquiteto, sempre soube me fazer sorrir e chorar na mesma intensidade.Antes dele eu era uma menina, depois cresci ao seu lado, nos casamos cedo e nosso amor foi esmaecendo, nunca desapareceu por completo, mas foi ficando cada vez mais apagado.O desejo, a chama dele, também mantivemos acessa, embora ela também tenha ido se apagando.O arquiteto foi capaz dos melhores e piores atos que um homem pode ter com uma mulher, mas eu sempre o perdoei, porque afinal, além de pai das minhas filhas, como meu marido ele me fez mulher em todos os sentidos e um homem que faz isso com uma mulher, o perdão é uma benção concedida como gratidão.O problema é que para ter chegado nesse nível, hoje em dia somos muito mais amigos do que amados.
Teve uma vez que reencontrei um amigo, na verdade um cara que sempre tentou se envolver comigo, mas eu nunca quis, nunca me senti atraída por ele, mas vira e mexe acontecem essas coisas, surgem pessoas, vindas do passado ou então outras que eu esbarro no presente.Esse cara me perguntou se eu ainda estava casada, eu disse que sim, ele riu, disse ainda?, eu disse ainda, mas quando eu disse ainda me assustei porque esse ainda foi um ainda que demonstrava que eu já tinha dúvidas sobre querer continuar casada ou não.Ele me chamou pra sair, eu disse que não, embora quase tenha dito que sim.Não nasci para ser infiel, embora tenha cometido duas infidelidades.As duas com gosto de arrependimento, mas muito mais pela violência contra mim do que contra o meu relacionamento.A primeira foi fraqueza, mas a segunda traição foi por vingança mesmo.
Eu me vinguei porque sabia de todas as sujeiras do meu marido, porque tinha descoberto um caso que ele estava tendo com a secretária. A minha experiência profissional nesse ponto é uma benção e uma maldição.Benção porque para me enganar é um pouco mais difícil, sendo psicóloga eu sou observadora, e maldição porque não consigo se tapada, alienada e me fingir de morta.Só de ter visto ela me atender quando foi a companhia percebi logo de cara que tinha alguma coisa de estranho acontecendo.E pela cara do meu marido, pelo jeito dele sem graça quando me viu olhando pra ela tive a confirmação do caso dos dois.Mas quase duas décadas de casamento te deixam cínica e irônica, jamais revelei pra ele que sabia.Por isso o traí.
E traí com um paciente, já que ele me traiu com sua secretaria. Um paciente que eu tratava já de muitos anos.Um homem mais novo do que eu, não muito, só dez anos.Sempre houve na nossa relação uma certa simpatia além, eu gostava da maneira como ele falava de si mesmo, de seus progressos e de suas mudanças.E notava a maneira como ele olhava pra mim.Então foi flexibilizando as coisas.Antes nos cumprimentávamos com um aperto de mãos antes das sessões.Passei a abraçá-lo e depois até a dar um beijo em cada face.Notei que ele gostou dessa mudança, no inicio deve ter achado estranho, mas depois gostou.Passei a usar sandálias abertas, exibindo meus pés, a usar roupas mais ousadas, decotes, saias.Guardava elas todas só pra ele, no meu armário do consultório, porque com os outros pacientes era séria, seriíssima.E o paciente foi ficando excitado.Então num golpe final, uma certa vez deixei a caneta cair do lado do divã.Ele fez menção de pegar, mas eu me abaixei para pegá-la e fingi que escorreguei e caí em cima dele.Desculpa, disse com olhos de gata, com boca de pantera, meio sem graça, meio sorrindo, ele percebeu, por um instante era ele a ler meus pensamentos.E nos beijamos e fizemos amor ali mesmo, em cima do divã, eu na posição submissa, de quatro, e ele matando todo seu desejo de anos e anos de análise comigo.
 Não sei mais como confiar em meus sentimentos, estou confusa, parece que estou na beira do precipício, meus pés tropeçando nas pedras que rolam e se espatifam lá embaixo.Eu não amo mais meu marido, só estamos juntos por causa das crianças, mas não sei até quando vou suportar tudo isso.

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