Desejo não é pecado

“Amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado.” (*Robert Frost)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A casa de Maresias - Parte XIX


O arquiteto sobre a psicóloga

Eu gosto das suas tranças, os anos passam e eu ainda me lembro da primeira vez que eu a vi com aquelas grandes tranças loiras, dançando reggae, ainda tão menina, mas já tão cheia de si.Não sei em que ponto nós nos deixamos de amar, o tempo deveria ter um efeito diferente desse de consumir, essa coisa terrível que é o desgastar.Mas eu ainda a admiro, ainda olho pra ela e consigo sentir uma sensação diferente.Sabe, inventei uma coluna que geralmente uso em jardins de invernos, é feita de concreto, é como uma transa estilizada por onde a água deve escorrer quando chove.Meus clientes adoram essa minha idéia.Ela é inspirada nas tranças dela.
Quando ela ficou grávida da Clarice estava linda, eu adorava ficar olhando pra ela sem que ela percebesse, dizia pra mim mesmo, “poxa isso tudo é meu?” E quando ela percebia, me falava com um daqueles mil sorrisos que ela tem “para de ficar me olhando!”, mas era um “para” que queria dizer mesmo é “continua me olhando e nunca mais pare!”. E é isso que eu faço até hoje, até hoje eu ainda continuo olhando para minha esposa sem parar. Mesmo quando ela do meu lado está usando seus inefáveis óculos escuros que escondem aqueles grandes olhos italianos. Eu teria sido um imbecil se não tivesse me casado com ela.
Sabe a minha profissão é algo que eu gosto muito, pensar que faço parte da vidas das pessoas, que desenho suas casas, o lugar onde muitas delas vão viver para a vida toda, puxa isso é algo maravilhoso pra mim, é o que me faz encarar cada dia como se fosse um desafio.Ser arquiteto é uma mistura de arte com obrigação, obrigação de crescer profissionalmente, de construir espaços para o convívio particular ou público e de construir uma sociedade feliz.Ou pelo menos tentar.Assim como faz a minha esposa, ela tenta fazer as pessoas se construírem melhor, minha esposa, a psicóloga, uma mulher incrível, mas que já não sei se amo mais.Eu me culpo, rapaz, como eu me culpo por te deixado de amá-la, mas pelo menos me congratulo quando sinto que a admiro.E acredito que vou admirá-la mesmo se nos separarmos.Toda vez que descemos juntos para a Casa de Maresias eu fico olhando pra ela e pergunto: “No que você está pensando?” e quase sempre ela me diz: nada.E eu sempre soube que não era nada, sempre soube que ela estava pensando na gente, desde o começo eu sempre senti ela pensando na gente.E não é fácil você construir uma família e sentir que sua esposa talvez não seja feliz com você.
Eu dei minhas mancadas, eu a traí algumas vezes. Tive casos com secretárias e casos com mulheres do meu meio, arquitetas e engenheiras da minha companhia.E minha esposa, a psicóloga, deve ter descoberto algum desses afairs.Mas um casamento que chega a quase duas décadas, pelo menos o nosso, não teria sobrevivido de outra maneira.Eu não saberia bancar o bonzinho o tempo todo, tem horas que preciso dar essas escorregadas.Já perdi minha aliança uma vez num quarto de motel cafona da Vila Mariana, um motel com quartos temáticos, cama giratória e espelhos por todos os lados.A mulher era uma arquiteta, casada também.Flertávamos desde quando ainda éramos jovens recém-formados.Uma noite, já lá pelas tantas, cansados e trabalhando no mesmo projeto saímos pra jantar e relaxar.  Aí aconteceu. Já tive que passar uma semana sem ficar sem camisa em casa por causa dos arranhões que ganhei de uma secretária. Ela tinha fetiche, queria transar na prancheta, queria transar em cima da mesa, no chão, dentro dos armários, era um furacão. Foi um caso que durou alguns meses.Paramos só quando eu comecei a ficar preocupado com as atitudes dela, apaixonada ela podia querer me prejudicar.Então fizemos um acordo, eu a demitiria e daria uma indenização.Ela disse, garota ainda, você não pode comprar o meu amor, eu respondi que não poderia mesmo, mas a convenci que seria melhor para nós dois daquele jeito, porque eu não largaria minha família por causa dela.
Meus casos são como anexos, variações do meu desejo, no meu conjunto de valores a minha infidelidade não é uma traição, não chego a amar essas fêmeas, elas são isso fêmeas, entidades femininas com um nome. Apenas sacio minha fome em corpos voluptuosos de mulheres que se oferecem como frutas sumarentas, por isso mordo suas cascas, preciso comê-las as polpas, chupá-las até o bagaço, mas sempre cuspo fora as suas sementes.

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